A professora Debbie McNutt, de Truro, na Nova Escócia, costumava brincar dizendo que só revelaria a receita dos seus famosos biscoitos "por cima do seu cadáver". E, com o seu humor característico, a família levou a expressão à letra. Quando Debbie morreu em 2019, vítima de cancro da mama, o segredo acabou mesmo gravado - na sua lápide.
"Ainda nos rimos disso hoje", conta a filha, Jennifer McNutt, ao site "Smithsonian Magazine". "Era algo que ela dizia sempre. A ideia de pôr a receita na lápide foi do meu pai."
Mas Debbie não está sozinha neste curioso fenómeno de eternizar receitas. Rosie Grant já partilhou nas redes sociais mais de 50 receitas inscritas em campas, que encontrou, por todo o mundo. Agora, reuniu-as e as histórias por detrás de cada prato no livro To Die For: A Cookbook of Gravestone Recipes.
Como tudo começou: da tese académica à febre viral
Rosie Grant criou o projeto enquanto tirava o mestrado em Ciência da Informação na Universidade de Maryland, entre 2020 e 2022. Durante um estágio no histórico Cemitério do Congresso, em Washington D.C., começou a interessar-se pelos túmulos personalizados e pelos monumentos que contavam histórias únicas de vida.
"Percebi que cada campa podia ser uma celebração, não apenas um fim. E muitas revelavam um lado humano, quase festivo, da morte", explica.
Foi durante a pandemia que tudo mudou. Rosie leu uma notícia sobre Naomi Odessa Miller-Dawson, cuja receita de spritz cookies estava gravada na sua lápide, no Green-Wood Cemetery, em Nova Iorque. Decidiu experimentar a receita, filmou o processo e publicou no TikTok. O vídeo tornou-se viral.
@ghostlyarchive Naomi Miller-Dawson’s grave in Green Wood Cemetery #recipesoftiktok #recipesforyou #gravestone #greenwoodcemetery #taphophile #spritzcookies #gravetok ♬ edamame - bbno$
Quando o amor se escreve em medidas e ingredientes
Desde então, Rosie percorreu cemitérios nos Estados Unidos e no Canadá em busca de novas "receitas de campa". Há histórias curiosas, como a de Kay Andrews, cuja receita de fudge teve de ser corrigida por conter uma colher de sopa de baunilha em vez de uma colher de chá, ou a de Maxine Menster, famosa pelos seus biscoitos de Natal.
"Houve uma altura em que as pessoas faziam piqueniques nos cemitérios. Era a forma de estarem com quem já partiu. Isto é um bocadinho isso — partilhar comida e vida ao mesmo tempo", conta Rosie ao mesmo site.
Receitas que atravessam gerações
Esta forma de homenagear a vida através da comida está a ganhar cada vez mais popularidade. Segundo especialistas, os cemitérios estão a tornar-se espaços de expressão pessoal, substituindo os símbolos tradicionais por homenagens únicas e saborosas.
A artista Julia Gustafson, que cria lápides personalizadas nos EUA, resume o fenómeno de forma poética: "Uma lápide serve dois propósitos - contar uma vida e deixar uma mensagem. Uma receita faz as duas coisas".
Mais do que comida, é uma forma de eternidade
As "receitas gravadas" estão a transformar a forma como olhamos para a morte e para o que deixamos para trás.









