Em Portugal, a saudade é vivida, cantada, sentida, dramatizada, escrita e é uma palavra, dizemos nós por cá, que é “só” portuguesa.
Esta é, pelo menos, uma discussão muito nossa.
A palavra “saudade” é, segundo os próprios portugueses, intraduzível. Ou seja, não há nenhuma palavra, em outras línguas, que consiga significar saudade, numa tradução literal.
Sabe-se, de acordo com um estudo publicado na BBC, que existem outras palavras, em outros idiomas, que não são também traduzíveis e, nesta pesquisa, a palavra “saudade” encontra-se na lista das palavras sem tradução.
São palavras que designam emoções ou atitudes – aqui também podíamos referir o portuguesíssimo “desenrascanço” - , ligadas às vivências, experiências, história de vários países e das suas populações, que não se transpõem para outras línguas com o fiel significado que têm.
Antes de seguirmos para o estudo em questão, vamos ver o que significa e de onde vem a palavra saudade, esse sentimento tão português.
De acordo com o Ciberdúvidas do português, "saudade descreve a mistura dos sentimentos de perda, falta, distância e amor. A palavra vem do latim "solitatem" (solidão), passando pelo galego-português "soidade", que deu origem às formas arcaicas "soidade" e "soudade", que sob influência de "saúde" e "saudar" deram origem à palavra atual."
Por existir a possibilidade de influência da língua árabe na palavra “saudade”, a mesma fonte, afirma: "(…) refira-se que negro, em árabe clássico, é "sawād", que corresponde, entre outros nomes, a "suwayda" «humor negro, hipocondria, melancolia», palavra que poderá ter alguma semelhança fónica com a forma galego-portuguesa soidade." No entanto, é sublinhado que esta tese requer estudos filológicos cuidadosos e que, por esta razão, a possibilidade da influência desta língua na construção da palavra fica por provar ou confirmar.
Depois, há mesmo quem defenda que “saudade” entrou com mais força e profundidade para o nosso vocabulário com os Descobrimentos pela óbvias razões de que quem entrava nas naus estaria largos meses ou anos fora, sem notícias, ou poderia nem sequer voltar. Aqui, “solidão”, que está na base da palavra, ganha expressão porque quem partia barra fora vivenciava intensamente a privação e a distância da sua terra e da sua família. De resto, um sentimento que permaneceu, durante décadas, nos corações lusitanos, já que Portugal é um país de emigração. França, Alemanha, Luxemburgo, Brasil, Estados Unidos, Canadá e Venezuela foram alguns dos destinos escolhidos por milhares de portugueses em busca de uma vida melhor. A dor e o sofrimento da distância, a privação e a solidão estiveram e estão sempre lá.
Esta exclusividade que reclamamos à saudade está num conjunto de sentimentos e emoções que lhe está nas entranhas do significado: melancolia pela distância, nostalgia do passado, desejo de poder ser o que não se foi, querer estar onde não se pode, ter sonhos que podem nunca acontecer, dor e sofrimento.
Temos saudades de pessoas, situações, países, sabores, cheiros. O Fado – a música do destino – canta a saudade do passado (o que foi e já não é), mas também chora as ausências e distâncias do presente e as do futuro, o incontornável destino. Fernando Pessoa, em “A mensagem” passa pelo tema das “saudades do futuro”, aquele sentimento de que “o passado é tudo quanto não consegui ser”, de alguma forma, um desejo de estar no futuro por nos parecer que esse futuro pode ser melhor do que o presente, ou ter saudades do que nunca existiu.
Filosófico? Em princípio, sim.
Melancólico? Seguramente.
A saudade é uma mistura de emoções, sentimentos, incertezas e desejos que, possivelmente, não conseguimos destrinçar uns dos outros e que, bem misturados numa só palavra, definem este sentimento “exclusivo” dos portugueses: a saudade.
Neste estudo, “saudade” faz parte de um conjunto de palavras que são intraduzíveis e aparece com esta definição:
“Um desejo melancólico ou nostalgia por uma pessoa, lugar ou coisa que está distante, seja espacialmente ou no tempo - uma melancolia vaga e sonhadora por fenómenos que podem nem existir.”
A saudade dói, vive-se e continua a cantar-se, em português.