Chegou o carnaval, a época festiva que supostamente ninguém leva a mal.

Começo por dizer que eu levava muitas coisas a mal na altura do carnaval, uma vez levei com um ovo e levei a mal, outra vez tinha acabado de sair de casa e levei com um balão de água, e também levei a mal, mas gosto do carnaval na mesma.

Gosto da parte das máscaras, aliás, mascaro-me todos os dias. Seja de profissional, de adulto responsável ou de pai que sabe o que está a fazer, mascaro-me sempre de qualquer coisa, mas a verdade é que sou só um menino que está a inventar à medida que vai avançando.

Mais do que gostar do carnaval, eu respeito o carnaval, especialmente o carnaval em Portugal. Porque cá o carnaval é muito duro.

Quem vai para o carnaval é mesmo porque quer. As pessoas falam do carnaval no Brasil, mas aquilo é para meninos.

Está calor, está sol, há mulheres lindas, há praia, é tudo uma maravilha.

Em Portugal não é assim. Primeiro, está um frio do caraças, segundo está quase sempre a chover e por último, as mulheres, normalmente são homens mascarados, o que pode ser problemático.

“Safei alta dama ontem!”

“ahhh não era uma Dama, era o meu primo Jorge. Ele gosta de ir de matrafona.”

“Ó Diabo! Outra vez? Mas isto agora é todos os anos? Diz-lhe para o ano era bom ele ir de polícia, ou assim.”

Gostava tanto de máscaras que a dada altura tinha um baú cheio de fatos em casa. Hoje em dia, as pessoas ainda me ligam, para perguntar se tenho ornamentos ou apetrechos avulsos.

Infelizmente, já não tenho. Quando casei e mudei de casa, perdi tudo.

Há pessoas que ficam sem coisas no divórcio, eu fiquei sem coisas no casamento. Alegadamente o meu baú foi perdido na mudança. Comecei por suspeitar da minha mulher, mas agora que penso, talvez o mais estranho fosse o homem das mudanças estar vestido de “dinossauro-bombeiro”.

Avançamos uns anos na roda do tempo e, quis a genética, os meus filhos gostam muito de máscaras. Não são poucas as vezes que chego a casa e sou recebido por um Spider Man ou por um Pirata Cowboy.

Por vezes pedem para levar os fatos quando os vou buscar para se vestirem logo e virem mascarados no carro, é divertido.

Contudo, nem sempre foi assim. Houve ali um pequeno hiato carnavalesco, entre o desaparecimento do meu baú e o primeiro carnaval dos meus filhos, em que passámos por um pequeno deserto de disfarces. Foi um período conturbado e nublado. Isto levou a algum descuido da minha parte, de tal forma que, no primeiro ano de carnaval dos meus filhos (há dois anos), eu já não era o folião de outrora e nem estava para aí virado. Posto isto, a minha mulher estava, mas como estava fora na semana em questão pediu-me para tratar de tudo.

“Podes tratar dos fatos dos miúdos?”, perguntou retoricamente.

E eu disse, “Claro, que posso.” (Nunca me vou esquecer desta conversa imediatamente depois de a ter)

No dia antes do carnaval, continuava fora, mas mandou-me mensagem à hora de jantar a perguntar, “Trataste dos fatos dos miúdos, não trataste?”

(não tinha tratado, e apoderou-se de mim um pânico. O Pânico de falhar como marido, mais até do que como pai, eles, um com dois anos e outro com um, não se iam propriamente lembrar)

Agarrei no telefone, enchi-me de coragem e escrevi. “Claro que sim, está tratado.” (Pai coragem)

Acabei o jantar, deitei os miúdos, pedi à minha mãe para ficar lá em casa enquanto eles dormiam, e disparei para o Colombo para resolver a situação.

Posso dizer que nesse momento, no Colombo, estava apenas eu e cerca de 300 pais, que como eu se tinham esquecido completamente do dia de carnaval.

Nos olhos uns dos outros viamos espelhado o nosso falhanço. Íamos acenando empaticamente e encolhendo os ombros, como quem diz “É o que é, somos todos meio taralhocos, não é?”

A visão era desoladora. Pais perdidos e passearmos entre fatos a tentarmos perceber, com um ar perdido, o que estávamos a fazer.

Um pai tinha um olhar vazio, na mão tinha um fato genérico da Frozen que dizia “princesa de gelo”, parecia confuso. E eu sei porquê. Muitos dos tamanhos estão em centímetros.

Eu sabia lá quantos centímetros tinha o meu filho. Eu esperava ver na embalagem, “Tamanho: LOURENÇO” e “Tamanho: JOAQUIM”.

Sabia lá se o meu filho tinha 100 centímetros ou 120.

Lá comprei um fato de bombeiro e um de dinossauro. O de bombeiro acabou por ser enorme e o meu filho ficava a nadar lá dentro. Só este ano é que aquilo lhe está bom, nesse ano dobrei as calças e fiz uma bainha de agrafos.

Ao menos a coisa fez-se e hoje em dia já está resolvido.

Até já temos uma pequena caixa com uns quantos disfarces para eles.

Agora que penso nisso, até é poético. O meu baú de fatos, que com saudade recordo, se calhar não desapareceu. Se calhar, transformou-se na caixa deles, uma espécie de reencarnação carnavalesca.

É aquela bonita circularidade narrativa tão vezes presente na vida.

Tão bonita que vou aproveitar e acabar o texto aqui.


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