Na linha B das trincheiras - Os portugueses da Grande Guerra
Há precisamente 100 anos terminava a Primeira Guerra Mundial, um conflito em que lutaram e morreram milhares de soldados portugueses!
Entre 1917 e 1918 ,uma em cada treze famílias portuguesas tinha um soldado na Grande Guerra
No rigoroso inverno de 1917, as primeiras tropas portuguesas do Corpo Expedicionário Português, seguiram, em fevereiro, para a guerra na Europa, em direção à Flandres.
Os soldados portugueses foram depois destacados para as pantanosas trincheiras da fronteira Franco- Belga onde viveram dias de horror e inferno.
Chegaram a estar mobilizados quase 200 mil homens, verdadeira “carne para canhão” (como os alemães lhes chamavam) as divisões portuguesas eram, em parte, compostas por civis recrutados, quase sem preparação, fardamentos e condições para sobreviverem a uma guerra como esta. A 9 de Abril de 1918, em La Lys quando a 2ª Divisão do Corpo Expedicionário Português, esgotada e revoltada, se preparava para retirar e ser finalmente substituída, o bombardeamento e ataque em massa do exercito alemão aniquilou-a quase por completo.
Os generais britânicos que deviam ter substituído as forças portuguesas deixaram-nas na linha da frente mais de 70 dias, sabendo que os alemães preparavam uma grande investida.
Perante o ataque, emboscados nas trincheiras aos soldados portugueses, restou-lhes cumprir a ordem: “Morrer na linha B“
Só nessa batalha o exército português sofreu cerca de 7 mil baixas!
Henrique Maria Albino de Messejana, no Alentejo fez parte das tropas que combateram na Flandres e, com 26 anos participou na batalha de La Lys em Abril de 1918.
Anos depois contava a brincar com humildade que a medalha que recebeu pela coragem de ter permanecido firme na trincheira não era prova de valentia! Ficou no seu posto porque não teve tempo de sair. No entanto foram essas as ordens que receberam as tropas do Corpo Expedicionário Português : "Que permancessem (se rendessem ou morressem) na linda B das trincheiras"
Da guerra guardou além da medalha, a espada o capacete e uma quase intolerância ao arroz por ter comido tanto arroz na guerra.
Da passagem dos portugueses pela Grande Guerra ficaram muitas histórias: José Rodrigues dos Santos escreveu o romance “A filha do capitão” inspirado neste” um bando de homens que é enviado para a Flandres e fica abandonado”.
Já em 2018 Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa realizaram o filme “Soldado Milhões” sobre a história de Aníbal Augusto Milhais, de Murça, soldado da 2ª Divisão de Infantaria do Corpo Expedicionário Português - o soldado português mais condecorado da Primeira Guerra Mundial - que contrariando ordens superiores, enfrentou sozinho algumas ofensivas alemãs com a sua metralhadora Lewis, salvando muitos parceiros de guerra.
A lenda do “Soldado Milhões “narrada no Jornal do Exercito por Guilhermino Pires em 1987 tinha já inspirado nos anos 80, uma Banda desenhada de Augusto Trigo, e mais recentemente um livro "Milhões: Tragicomédia em 2 Atos", de José Leon Machado.
No dia 11 de novembro de 1918 os Aliados (França, Rússia e Grã-Bretanha) e os Alemães assinavam em França o Armistício de Compiègne, dentro de um vagão-restaurante, na floresta de Compiègne, com o objetivo de encerrar as hostilidades na frente ocidental da Primeira Guerra Mundial.
Os principais signatários foram o Marechal Ferdinand Foch, comandante-em-chefe das forças da Tríplice Entente (Império Russo, França e Reino Unido), e Matthias Erzberger, representante alemão. Naquele dia, Foch enviou uma mensagem por telégrafo para todos os seus comandantes: "As hostilidades cessarão em toda a frente no dia 11 de novembro às 11h, no horário da França."
Portugal participou na Guerra, ao lado dos Aliados, por orientação da República recentemente instaurada, apesar da campanha destas implicar custos económicos e sociais gravemente superiores à capacidade nacional na altura.
As razões da participação de Portugal na Guerra prendiam-se com a manutenção e defesa das colónias de Angola e Moçambique dos alemães que realizavam escaramuças fronteiriças desde o início do confito, com o compromisso de aliança com a Inglaterra, tradicional aliada de Portugal, e com a necessidade, por parte do Partido Democrático de Afonso Costa, de afirmar o seu poder político, internamente e no junto das potências europeias.
Entretanto à medida que as mortes de soldados portugueses aumentavam, a Guerra tornava-se por cá, cada vez mais impopular. Além disso o custo de vida disparava, o abastecimento de géneros escasseava e o desemprego aumentava…o que desencadeava violentas reações sociais (greves e assaltos).
Os objetivos que levaram os responsáveis políticos portugueses a entrar na guerra saíram gorados na sua totalidade. A unidade nacional não seria conseguida por este meio e a instabilidade política acentuar-se-ia até à queda da primeira república com a Revolução de 28 de maio de 1926 que daria anos depois, origem ao Estado Novo.
Em toda a Europa a chamada Grande Guerra tirou a vida de cerca de 9 milhões de soldados e deixou outros 21 milhões feridos. Indiretamente, morreram, vítimas da guerra, perto de 10 milhões de civis. Os dois países mais afetados foram Alemanha e França, cada um enviou para os campos de batalha cerca de 80% de sua população do sexo masculino, com idades entre 15 e 49 anos.
Depois do armistício, foi assinado o tratado de paz de Versalhes, celebrado em 1919, no qual a Alemanha, derrotada, era obrigada a reduzir as suas tropas pela metade, pagar pesadas indenizações aos países vencedores, ceder todas as suas colónias e devolver a Alsácia-Lorena à França. Infelizmente, o tratado não alcançaria o seu objetivo.
A Alemanha reclamou que tinha assinado o armistício sob falsos pretextos, afirmando ter acreditado que a paz seria uma "paz sem vencedores". O ódio ao tratado e aos seus autores estabeleceram um ressentimento latente na Alemanha.
Duas décadas depois, estes sentimentos estariam entre as causas da Segunda Guerra Mundial protagonizada por um soldado do exército vencido que nunca perdoou aos aliados a humilhação e a derrota da Alemanha na primeira grande guerra - Hitler
Foi no armisticio de Natal da Primeira Guerra Mundial, quando no dia de Natal de 1914, Aliados e Alemães interromperam os ataques para se cumprimentar que Paul McCartney se inspirou, em 1983, para compor " Pipes of Peace". Neste video o ex Beatle recorda assim o ambiente desta Guerra que há 100 anos chegava ao fim.